29/10/2008

contradições

João Gonçalves diz no Portugal dos pequeninos http://www.portugaldospequeninos.blogspot.com/ Existe um défice de confronto por cá. Por todo o lado, no poder, na oposição, nas televisões, pelos jornais, na literatura, entre blogues, etc., etc., nota-se aquele cuidado hipócrita em não ferir a susceptibilidade do Outro. O Outro - uma desgraçada invenção do divã freudiano e da "modernidade" - é a nossa cruz. Como o país é pequenino e toda a gente está mais ou menos comprometida com toda a gente, a amabilidade impede que as relações, públicas ou privadas, sejam adultas. Só a ruptura e a desmesura valem a pena. São um sinal de maturidade e de responsabilidade contra a trivialidade da vida quotidiana falsamente "animada" pelos amáveis de serviço. Por isso gosto de cães grandes e detesto caniches. Por isso não troco o mar por arbustos verdejantes e piqueniques com famílias felizes. Por isso ignoro a maioria das "figuras públicas". Qualquer "mulher-a-dias" que a minha insónia intercepta e que corre debaixo da minha janela às cinco da manhã atrás do primeiro autocarro para o trabalho, merece-me a consideração esdrúxula que não possuo pelos homúnculos do regime. Não conheço melhor libelo contra a amabilidade do que os famosos versos de Botto em homenagem a Pessoa, justamente um dos que, par delicatesse, perdeu literalmente uma vida que nunca chegou a ter. "Isto por cá vai indo como dantes;/O mesmo arremelgado idiotismo/Nuns Senhores que tu já conhecias/- Autênticos patifes bem falantes.../E a mesma intriga; as horas, os minutos,/As noites sempre iguais, os mesmos dias,/Tudo igual! Acordando e adormecendo/Na mesma côr, do mesmo lado, sempre/O mesmo ar e em tudo a mesma posição." Qual contraditório (confronto), aquele que nos fode, aquele que assim que nos apanha de costas nos empurra, usando um eufemismo, para fora de qualquer espécie de argumento, sim porque em frente cala-se, ignora e despreza. Apesar do nada que sou, também eu tenho em consideração a "mulher-a-dias". Mas a consideração também é dada no valor que se paga, quando era um pouco menos nada do que sou agora e tinha uma empregada, não procurei o mais barato e paguei sempre o que me pedia, quando tive uma empresa não andava a esgravatar o degraçado mais barato para me fazer o trabalho. Parece que anda por aí muita gente indignada porque o ordenado mínimo (que nome arrepiante) vai aumentar para a mágica quantia de 450€, essa fortuna para o povo gastar nos centros comerciais, ainda por cima não é na FNAC a comprar os livros que os contraditórios editam. É que a consideração não é coisa para se ter da janela, mas sim com os pés na terra, só da janela parece-me assim, como direi, uma coisa de amabilidades.

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